domingo, 16 de outubro de 2011

A permanente descoberta

Ser jovem depende de pele, de idade, de idéias? Ser jovem se constata na certidão de nascimento ou no espírito de cada um? É possível ser jovem na infância e na adolescência? E na velhice? Será que todo jovem é realmente jovem na juventude

Ser jovem
         Ser jovem é não perder o encanto e o susto de qualquer espera. É, sobretudo, não ficar fixado nos padrões da própria formação. Ser jovem é ter abertura para o novo na mesma medida do respeito sou mutável.
        É acreditar um pouco na imortalidade em vida, é querer a festa, o jogo, a brincadeira, a lua, o impossível, o distante. Ser jovem é ser bêbado de infinitos que terminam logo ali. É só pensar na morte de vez em quando. É não saber nada e poder tudo.
       Ser jovem é ainda acordar, pólo menos de vez em quando, assobiando um a canção, antes mesmo de escovar os dentes. Ser jovem é não dar bola para o síndico mas reconhecer que ele está na sua. É achar graça do riso, ter pena dos tristes e ficar ao lado das crianças. Ser jovem é estar sempre aprendendo inglês, é gostar de cor, xarope, gengibirra e pastel de padaria. Ser jovem é não ter azia, é gostar de dormir e crê na mudança; é meter o dedo no bolo e lamber o glacê.
        É cantar fora do tom, mastigar depressa e engolir devagar a fala do avô. É gostar de barca da Cantareira, carro velho e roupa amargura. É bater papo com a baiana, curtir o ônibus e detestar meia marrom.
        Ser jovem é beber chuvas, ter estranhas súbitas e inexplicáveis atrações. É temer o testemunho, detestar os solenes, duvidar das palavras. Ser jovem é não acreditar no que está pensando exceto se o pensamento permanecer depois. É saber sorrir e alimentar secretas simpatias pelos crentes que cantam nas praças em semicírculo, Bíblia na mão, sonho no coração.
       É gostar de ler e tentar silêncios quase impossíveis. É acreditar no dia novo como obra de Deus. É ter metafísica sem ter metafísica. É curtir trem, alface fresquinha, cheiro de hortelã. É gostar até de talco. Ser é ter ódio de cachimbo, de bala de jujuba, da manipulação, de ser usado.
       Ser jovem é ser capaz de compreender a tia, de entender o reclamo da empregada e apoiar seu atraso. Ser jovem é continuar gostando de deitar na grama. É gostar de beijo, de pele, de olho, Ser jovem é não perder o hábito de se encabular. É ir para ser apresentado (“- Já conhece fulano?”) morrendo de medo.   
       Ser jovem é permanecer descobrindo. É querer ir a lua e conhecer Finlândias, Escócias e praias adivinhadas. É sentir cheiros raríssimos: cheiro de férias, cheiro de mãe chegando em casa em dia de chuva, cheiro de festa, aipim, camisa nova, marcenaria ou toalha de lã do clube.
     Ser jovem é andar confiante como quem salta, se possível  de mãos dadas com o ar. É ter coragem de nascer a cada dia e embrulhar fossas de celofane do não faz mal. É acreditar em frases, pessoas, mitos, forças, sons, é crer no que não vale a pena mas ai da vida se não fosse isso.
       É descobrir um belo que não conta. É recear as revelações e ir pra casa com o gosto de seu silêncio amargo ou agridoce.
       Ser jovem é ter capacidade do perdão e andar com os olhos cheios de capim cheiroso. É ter tédios passageiros, é amar a vida, é ter uma palavra de compreensão. Ser jovem é lembrar pouco da infância por não precisa e fazê-lo para suportar a vida. Ser jovem é ser capaz de anestesias salvadoras.
  Ser jovem é misturar tudo isso com a idade que tenha, trinta, quarenta, cinqüenta, sessenta, setenta ou dezenove. É sempre abrir a porta com emoção. É esperar dos outros o que ainda não desistiu de querer. Ser jovem é viver em estado de fundo musical de superprodução da Metro. É abraçar esquinas, mundos, espaços, luzes, flores, livros, discos cachorros e a menininha com um profundo,aberto e incomensurável abraço feito de festa, cocada preta, dentes brancos e dedos tímidos, todos prontos para os desencontros da vida. Com uma profunda e permanente vontade de SER.

FOSSA: Na linguagem informal, ''estar na fossa'' equivale a estar deprimido, desalentado.
GENGIBIRRA: Espécie de cerveja de gengibre; termo usado também para designar cachaça.
METAFÍSICA: Ramo da filosofia que estuda os fundamentos da existência ou realidade.
METRO: Um dos mais importantes estúdios do cinema americano. 

(Artur da Távola. Ser jovem .8. ed. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1985. p.13-4).

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